segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Ponta Delgada - Vandalismo Cultural ou Desenvolvimento XLI

O cruzamento conhecido e referido hoje como Canto da Cruz, e que no séc. XVIII e XIX chamava-se «Canto da Cruz», fica na esquina sul da Rua da Cruz - referida no séc. XVII como « Rua que vem da Cruz para o mar ... » ou «Rua que uaj do Corpo Santo para o maranhão desta Cidade ... » - com a Rua de S. Francisco e Trindade.
Neste local foi assassinado no princípio do séc. XIX o jovem Inácio José de Sousa Coutinho, em circunstâncias rocambolescas, por envolver pessoas de elevada importância social na época.
A filha do 1º casamento de Thomas Hickling, Catherine, visitou-o em S. Miguel em 1786, praticamente para o conhecer, uma vez que ficara a viver com os Avós nos Estados Unidos. Thomas Hickling tentou que aqui casasse para poder ficar perto dele.
Efectivamente aproximou-a de Inácio José de Sousa Coutinho, filho do capitão-mór de Santa Maria e então morador na Rua do Contador, na casa depois pertencente ao 1º Conde de Albuquerque e hoje na posse dos seus herdeiros. A jovem Catherine descreve este seu namoro num diário, publicado na “Insulana” (vol. XLIX ,1993).
Inácio José de Sousa Coutinho quando seguia acompanhado por seu primo Pedro Nolasco Borges Bicudo da Câmara e por Francisco Jerónimo Pacheco de Castro, foi assassinado no canto da Rua da Cruz, em Ponta Delgada, a 19 de Fevereiro de 1787, numa 2ª feira de Entrudo, por Manuel da Câmara Coutinho Carreiro, amigo íntimo de Gaspar António de Medeiros Sousa Dias da Câmara. Embora o criminoso se encontrasse em manifesto estado de embriaguês na ocasião do crime, diz-se que a ele fora instigado por Gaspar António que pretendia Inácio José para marido de sua irmã Francisca Miquelina de Montojos Paim da Câmara. Por tal motivo e por se lhe terem atribuído graves responsabilidades na prática deste crime, Gaspar António chegou a estar preso (Vid. "Arquivo dos Açores", Vol. XV, pág. 99; e "Insulana", Vol. XII, pág. 119) e faleceu solteiro, deixando a sua grande casa à sua sobrinha D. Ana Teodora, mais tarde Viscondessa da Praia.
Catherine Hickling acabou por regressar aos EU, onde casou com o Juiz William Prescott e foi mãe do famoso historiador americano William Hickling Prescott que visitou o Avô em S. Miguel (1815/16) para tentar restabelecer-se de uma grave doença oftálmica que o afectou. Curiosamente foi o Visconde da Praia, casado com a sobrinha e herdeira de Gaspar António, quem comprou duas das casas de Thomas Hickling, o Yankee Hall e a da Quinta da Glória. O 1º Marquês da Praia, António Borges Medeiros Dias da Câmara e Sousa, filho do Visconde, fez construir, no local do “Yankee Hall”, o belo palacete que ainda hoje existe no “Parque das Furnas”, onde foi recebido o Rei D. Carlos durante a visita a S. Miguel. A Quinta da Glória ainda hoje está na posse dos herdeiros do Marquês da Praia.

A Rua da Cruz liga, para sul, o eixo meridiano com o eixo sul da cidade que já visitámos, aqui Rua Luís Soares de Sousa e Dr. Caetano de Andrade, como vimos antigas «Rua de S. Francisco» e «Rua da Trindade».



A Rua da Esperança no séc. XIX.
A casa de varanda corrida que na altura tinha o nº 19 e hoje tem o nº 25 era onde ficava a Foto Raposo, a 1ª casa fotográfica, a 1ª que existiu em S. Miguel. Aí Antero fez uma foto Antero no dia 18 de Agosto de 1887, referindo-se a ela numa carta a Alberto Teles de Maio de 1890: “Aí te envio um exemplar da única boa fotografia que tenho…Preferiria não andar gravado nos papéis. Mas uma vez que já não o posso evitar, aí vai pelo menos uma efígie autêntica.”


Aspecto actual da Rua da Esperança vendo-se a casa onde funcionou a Fotografia Raposo, hoje transformada em café

Carlos F. Afonso
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