sábado, outubro 16, 2004

Ponta Delgada – Vandalismo Cultural ou Desenvolvimento? - XIV

A Rua dos Mercadores conduz-nos ao lado sul da Matriz e encontrava-se com a Rua da Alfandega que nos conduzia ao pequeno e pitoresco Cais da Alfandega, barbaramente destruído pelo prolongamento do Aterro e construção da actual Avenida Marginal.

Entre a Rua dos Mercadores e a da Misericórdia existem três pequenas travessas. A de Santa Margarida de Chaves (1) onde existiu uma capela de Santa Margarida (já demolida) virada para a Misericórdia, a dos Henriques ( 2) e a pitoresca Travessa do Arco que atravessando a Rua dos Mercadores se dirigia ao calhau.

Na esquina norte da Rua dos Mercadores com a Rua da Alfândega situava-se, nos finais do séc. XIX, a célebre Loja de Benjamin Férin, onde Antero comprou a pistola em 11-9-1891, poucas horas antes de se suicidar, em local que também visitaremos aqui.
Na Rua dos Mercadores nº 52-A, situa-se a casa onde viveu Garrett quando da sua permanência nesta ilha em 1832, de 8 ou 9 de Maio até 27 de Junho seguinte, data da partida da famosa expedição de D. Pedro para as praias do Mindelo.
Garrett foi recebido no Cais Velho por Pedro Joyce , grande amigo do seu pai e que adquirira esta casa cinco anos antes a Tomás Maria Bessone. Garret conheceu aqui, na Quinta do Botelho , de Jacinto Ignácio Rodrigues da Silveira, futuro Barão de Fonte Bela, numa noite de S.João, numa das muitas festas que aqui houve na altura, uma jovem de 15 anos por quem se apaixonou, Ana Leite de Teive, “ uns olhos pretos de quinze anos” a quem se refere o romance “ Noite de S. João”, escrito nesta casa da Rua dos Mercadores e mais tarde incorporado no Romanceiro


Rua da Alfândega no princípio do séc. XX Na esquina da Rua dos Mercadores (à direita) e com clientes à porta, acima dos tapumes, a Loja de Benjamin Férin hoje ocupada pela Companhia de Seguros Açoreana


A Loja de Benjamin Férin e a Rua dos Mercadores vendo-se ao lado a Tabacaria Açoriana

Aspecto actual da Rua da Alfândega, “afundada” pela sobreelevação da actual Avenida Infante D. Henrique. O edifício à direita a antiga Alfândega do séc. XIX e na esquina com a Rua dos Mercadores a Companhia de Seguros Açoreana.

(1) Margarida de Chaves , filha de Afonso Anes de Chaves, nasceu no local onde hoje existe a Casa Bensaúde, em 1530. Casou com António Jorge Correia. Gaspar Frutuoso, seu confessor dedica-lhe todo o Cap. XCV do Livro IV. A sua biografia mais completa é a de Francisco Afonso de Chaves e Melo "A Margarita Animada”.

(2) António Gaspar Henriques parece estar na origem toponímica da "Travessa dos Henriques", conjuntamente com os seus filhos António e Vicente Gaspar Henriques.
Natural de Lisboa, foi capitão de navio e andou no comércio de escravatura para o Brasil. Veio para S. Miguel com os lucros desta actividade e aqui constituiu família e foi proprietário. Como comerciante, dirigiu a companhia "Boa Fé", com José J. da Luz. Foi Presidente da Associação Comercial de Ponta Delgada, em 1855, e membro directivo do Asilo de Mendicidade desta cidade, em 1905. Segundo o jornal “A Persuasão”, em 1899, "era homem de trato muito ameno e franco, merecendo aqui geral estima; foi pai dos srs. António e Vicente Gaspar Henriques, dois cavalheiros dignos de muita consideração de que gozam".( in José Andrade, A Face Humana da Toponímia de Ponta Delgada, Ed. da CMPD, 2001)

Carlos F. Afonso
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