domingo, julho 18, 2004

Recordando Padre António Vieira

Hoje, há 307 anos, faleceu na Baía o Padre António Vieira, com 89 anos, precisamente no ano em que as primeiras notícias da descoberta do ouro das minas chegaram ao reino. Ouro que, como se sabe, e ele intuíra, foi perdulariamente esbanjado ao longo do século XVIII por dom João V. Fernando Pessoa chamou-o "imperador da língua portuguesa", e foi um dos mais extraordinários oradores sacros de todos os tempos. Homem de Estado, diplomata, articulista político, apóstolo, nada estava fora da área do seu interesse. Como literato deixou-nos a espantosa obra dos seus sermões que maravilharam reis, o papa e os gentios que o ouviam na Baía e Maranhão. Como jesuíta missionário, vindo de Lisboa, em 1653, envolveu-se nas querelas dos colonos do Estado do Maranhão e com os capitães-mores na luta pelo escravização dos índios. Vieira logo constatou que a preocupação deles passava ao largo de salvar-lhes a alma pagã, mas sim de apropriar-se dos seus braços e do seu suor. Tentou conciliar inutilmente o que pôde, até que o prenderam e o expulsaram. Como patriota militou, incansavelmente, pela independência do país, que até 1640 se encontrava sobre "o cativeiro espanhol". Embalado ainda pelo que chamava de renascimento, iniciou, em 1659, o tratado místico-secular , a Esperanças de Portugal, o Quinto Império do Mundo, que, diz a tradição, escreveu navegando numa piroga pelo Amazonas, no qual vaticinava a soberania do Reino luso sobre o resto do mundo, tornando D. João IV um augusto universal. Foi político e diplomata. Não só o cortesão bajulador que por vezes teve de ser, mas o estadista que fracassou nos seus intentos, mas que não errou nas pretensões. Percebeu ele que o Portugal restaurado estava muito aquém das expectativas. O país, empobrecido, estava povoado de camponeses, padres e fidalgos, e os seus marinheiros encontravam-se espalhados pelo mundo afora. Entendeu, num comentado relatório enviado ao rei D. João IV, em 1643, que sem uma burguesia mercantil e seus capitais, condenava-se o Reino luso ao marasmo económico, indefeso ante a Espanha. Aproximou-se então da colónia de marranos, os judeus portugueses que haviam sido expulsos pela Coroa um século antes, na época de dom João III, e que se abrigaram e, desde então, prosperaram na Holanda. Foi, como emissário do rei dom João IV, a Haia e a Amsterdam para contactos e entrevistou Menasseh ben Israel, o grande rabino, na tentativa de encontrar pontos teológicos comuns entre o judaísmo e o cristianismo - uma aliança entre a Igreja e a Sinagoga - que permitisse o retorno deles a Portugal. Tentou convencer o Santo Ofício, com a ousadia que o caracterizava, de que os lusos eram agora o novo povo eleito e que nada impedia que fizessem um acordo com aqueles que foram outrora o povo de Deus bíblico, os judeus, afim de que "os dois rebanhos se sujeitassem ao mesmo pastor". Meteram-no na prisão e submeteram-no a um processo. Graças à relevância que alcançara junto ao Vaticano, conseguiu obter a suspensão das penas de silêncio a que fora condenado pelo Santo Oficio de Lisboa. Vitorioso, mas desamparado, voltou à Baía para passar os últimos anos dando forma e polimento aos incontáveis sermões que proferira. Conta um biógrafo seu que quando, em 1760, em Salvador da Baía, ao inumarem os seus ossos, perceberam na parte côncava do crânio do padre Vieira "partículas brilhantes em que a luz faiscava". Não é de duvidar. O poderoso cérebro dele deve ter-se diluído em estrelas, negando-se a morrer. Adaptado do texto de Voltaire Shilling
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