domingo, março 21, 2004

Dedicado ao Pratolini da Rua do Saco

Aos fins-de-semana, a reboque do Professorices, cá vamos nas açoreanisses, com mais um texto do meu pai (Carlos Afonso).

Em 1812 nasceu um cidadão, de seu nome António Borges da Câmara Medeiros, na freguesia da Fajã de Baixo, no Solar do Calço da Furna. Era irmão de Duarte Borges da Câmara de Medeiros que foi o 1º Visconde da Praia. Ficou conhecido simplesmente por António Borges, foi Governador Civil de Ponta Delgada de 8-9-1847 a 25-1-1849 e faleceu em Ponta Delgada em 19 de Março de 1879.
Não terá sido, porém, na política que se distinguiu. Tirou o curso de agricultura na célebre escola de Grignon (França) e o que o faz hoje ser lembrado, foi o seu gosto pela aclimatação de plantas exóticas em S.Miguel e a plantação de diversos jardins em Ponta Delgada, Sete Cidades, Feteiras e nas Furnas. O principal destes jardins, de 22 alqueires, é hoje o Parque da Cidade e é conhecido por “Jardim António Borges”. A pequena rua que então lhe dava acesso, tinha o curioso nome "Beco da Lombinha dos Cães", passando depois a chamar-se "Beco do Jardim António Borges" e finalmente "Rua de António Borges".
António Borges foi, efectivamente, uma figura curiosa. Muito viajado e de gosto requintado, reuniu em S. Miguel a melhor e mais completa colecção de pintura dos Açores, numa época em que muito poucos se encantavam com manifestações de Belas Artes e se limitavam à simples importação da Inglaterra, sem qualquer critério, de “coisas de arte” (artes decorativas), com que se pagavam parcialmente da exportação de laranja e que vinham para S.Miguel servindo de lastro, no regresso, aos navios exportadores da laranja. Conheço uma pequena parte desta magnífica colecção, em casa dum bom amigo que por herança a possui. Foi este mesmo António Borges que comprou em Roma o famoso quadro de Crivelli, único na Península e uma das actuais jóias do Museu Nacional de Arte Antiga.
António Borges era, para além do mais, um homem de invulgar força física. Um dia, passeando com a sua “graciosa e gentil” filha nas festas do Império do Senhor Espírito Santo da Rua do Saco, deparou-se com um boleeiro que, teimosamente, tentava subir a rua com o seu trem. Tal atitude gerou uma grande discussão com os populares que tentavam impedi-lo. António Borges tentou dissuadir o corajoso boleeiro que enfrentava a populaça e este, arrogantemente, respondeu-lhe: “O sr. vá bardamerda!”. De imediato a “graciosa e gentil” filha de António Borges, Elisa Augusta Borges da Câmara Medeiros, saltou sobre o infeliz dando-lhe um soco que o fez sair, voando, pelo lado oposto da boleia, vindo estatelar-se desamparado no chão! Explicou a “graciosa e gentil” menina a sua atitude: “Fiz isto para o papá não lhe bater, senão matava-o!”. Acabava de praticar, afinal, mais um gesto caridoso, salvando o intrépido boleeiro duma morte certa.
Numa outra ocasião, António Borges ao regressar da Austrália, onde fora estudar e comprar exemplares botânicos para os seus jardins, parou em Lisboa e, vestido com um extravagante fato colonial inglês, ornado com um frondoso chapéu de aba larga australiano, foi a um café pacatamente lanchar. Uns “bem falantes” e “sabidos” alfacinhas resolveram chacotear o “pacóvio” que tão extravagantemente se vestia. António Borges chamou calmamente o empregado de mesa e, partindo com facilidade um dos cantos do tampo de mármore da mesa, disse-lhe: “Entregue àqueles senhores este meu cartão de visita e diga-lhes que não me incomodem”. Os espertalhões abandonaram, apressadamente, o local.
Continentais que se cuidem que nós já temos a nossa dose. Mulher açoreana é assim!
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